Diversidade que se respira
Um grupo de cientistas pede mudança radical na forma de proteger a biodiversidade: ela deve ser reconhecida como um bem comum global e incorporada às políticas públicas e ações econômicas como um benefício coletivo do qual não se pode prescindir.
Por:
Júlia Dias Carneiro
Publicado em 09/09/2010 | Atualizado em 09/09/2010
Revoada de aves no Pantanal, região dona de uma rica biodiversidade no Brasil: a consciência do valor da conservação deve permear políticas públicas nacionais e regionais (foto: Denis Gustavo – CC BY-NC-ND 2.0)
Às vésperas do 10º encontro dos paí
ses signatários da
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB),
que terá sua
próxima reunião para revisão de metas em outubro, no Japão, um grupo de pesquisadores
se juntou para pedir uma revisão profunda na maneira como
se encara e protege a bio
diversidade no mundo.
De acordo com
as reivindicações apresentadas em um artigo Science desta semana, os cuidados não devem pautar apenas ações de ambientalistas ou grupos con
servacionistas, mas permear políticas governamentais, crescimento econômico e ações da sociedade.
Os cuidados não devem pautar apenas ações de ambientalistas ou grupos conservacionistas
“Apesar dos esforços globais crescentes de con
servação, a bio
diversidade continua em declínio”, diz Michael Rands, diretor da Iniciativa de Con
servação de Cambridge, na Inglaterra, e autor principal do artigo.
“
Se qui
sermos produzir qual
quer impacto, é es
sencial
que pas
semos a ver a bio
diversidade como um bem coletivo global
que oferece benefícios como ar limpo e água fresca, e
que esta visão esteja integrada não apenas nas políticas, mas também na sociedade e nas decisões cotidianas dos indivíduos”, considera.
A bio
diversidade é definida pelo artigo como “a variedade de genes, espécies e ecossistemas
que constituem a vida na Terra”, e nos oferece uma série de “
serviços es
senciais” – da comida à madeira, da regulação climática à polinização.
Em pleno ano internacional dedicado ao tema, o artigo reconhece
que a preocupação a respeito no mundo é crescente e enumera medidas e políticas nacionais e internacionais
que vêm
sendo formuladas para protegê-la desde 1992 – quando a CDB foi assinada no Rio de Janeiro, durante a
Eco-92.

- Uma abelha em plena polinização, um dos serviços ‘gratuitos’ oferecidos pela natureza e dos quais se beneficia a agricultura: cortesia da biodiversidade (foto: Wikimedia Commons/ Mgimelfarb)
Entre os exemplos citados estão ações para proteger espécies ameaçadas, restaurar hábitats e oferecer incentivos econômicos como contrapartida à con
servação, bem como o ritmo constante de criação de áreas de proteção ambiental –
que aumentam em média 2,5% ao ano e, em 2006, já somavam 24 milhões km².
As medidas, porém, não têm sido o bastante para conter o declínio da bio
diversidade. E fatores de pressão continuam a aumentar. Os principais enumerados são a superexploração de espécies, a poluição, as mudanças climáticas e, sobretudo, a degradação, fragmentação e destruição de hábitats.
As medidas de conservação não têm sido o bastante para conter o declínio da biodiversidade
Cerca de 70% dos paí
ses continuam expandindo as áreas destinadas à agricultura, e terras cultiváveis passam a
ser visadas também para gerar biocombustíveis e óleos vegetais.
“A bio
diversidade terrestre restante é crescentemente confinada a retalhos fragmentados
separados pela expansão de áreas de cultivo, infraestrutura e de
senvolvimento residencial e industrial”, enumeram os pesquisadores.

- A Hoh Rain Forest, floresta temperada protegida dentro do Olympic National Park, nos Estados Unidos. A criação de áreas de proteção é uma das medidas importantes para a conservação da biodiversidade (Wikimedia Commons/ Malonecr7 – CC BY-SA 3.0)
Terreno brasileiro
O Brasil não é citado no artigo,
que contempla o panorama mundial da bio
diversidade. Mas o país é certamente um dos alvos da mensagem. Uma das autoras, Valerie Kapos, do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e da Universidade de Cambridge, vê grandes progressos na con
servação da bio
diversidade brasileira, citando por exemplo a redução dos índices de desmatamento na Amazônia e a criação de novas áreas de proteção.
"Formuladores de políticas públicas têm que reconhecer a importância da biodiversidade como um bem comum"
“Porém, como todo país em de
senvolvimento, o Brasil tem
que lutar para equilibrar as demandas por terra e recursos para o de
senvolvimento com as necessidades e prioridades para a con
servação da bio
diversidade”, diz Kapos à
CH On-line.
“Um fator importante para chegar a es
se equilíbrio é
que formuladores de políticas públicas reconheçam a importância da bio
diversidade como um bem comum, e incluam este reconhecimento e as suas implicações em suas políticas.”
De acordo com Kapos, outro desafio para o Brasil é
que essa atitude
seja amplamente incorporada por diferentes instituições e níveis de governo. Só assim teriam impacto local, alcançando diferentes regiões do país.
“É importante
que pessoas
que tomam decisões em todos os níveis reconheçam a importância e o valor da bio
diversidade, bem como
seu papel para o de
senvolvimento do país”, diz ela.
Enquanto a conscientização sobre a importância da Amazônia aumentou desde a Eco-92, ainda é preciso alcançar reconhecimento
semelhante para sistemas como o cerrado, ameaçado pela agricultura. “A importância des
ses sistemas tem
que ser reconhecida pelas políticas nacionais e locais”, frisa Kapos.

- Peixe-boi com o filhote, um dos animais amazônicos ameaçados de extinção (foto: Gaylen Rathburn, U.S. Fish and Wildlife Service)
Para além de 2010
Além de fazer um balanço sobre as metas da bio
diversidade traçadas até 2010, a
próxima conferência da Convenção Sobre Diversidade Biológica no Japão deve traçar um novo plano estratégico com uma visão para 2050, além de metas a
serem alcançadas até 2020. Para os autores do artigo,
seria um momento oportuno para estabelecer as três prioridades
que sugerem.
A primeira delas é a ideia de
que a bio
diversidade deve
ser administrada como um bem público, com escolhas coletivas e uma maior consciência de
seu valor econômico. Isso inclui estimar valores associados à con
servação mas, sobretudo, pensar em incentivos e ações
que promovam uma mudança de comportamento.
De acordo com os autores do artigo, economistas deveriam trabalhar mais perto de con
servacionistas e formuladores de políticas públicas para promover um “comportamento mais amigável à bio
diversidade”.

- Uma estrela-do-mar azul repousa sobre um coral, um dos mais ricos agregadores da biodiversidade marinha (foto: Richard Ling – CC BY-SA 3.0)
As duas outras prioridades
seriam integrar a bio
diversidade às decisões tomadas em âmbitos público e privado e criar condições para implementar as políticas concretamente.
“A preocupação pela bio
diversidade não pode estar restrita ao ministério do meio ambiente de uma nação, e sim estender-
se por todos os
setores do governo, como o tesouro, a indústria e a defesa”, aponta o grupo.
De acordo com o artigo, ainda estamos longe de incluir a bio
diversidade entre nossas medidas convencionais de bem-estar,
que permanecem focadas em uma noção mais estrita de crescimento econômico, concentrada na criação de ri
queza e em projeções de PIB por país.
“A transição para a sustentabilidade não
será fácil, mas é central para as
segurar um futuro para a bio
diversidade”, escrevem.
Isso implica não apenas mudar os padrões de produção e consumo atuais, mas também reconhecer
que o de
senvolvimento vem escorado por ecossistemas funcionais e pela bio
diversidade.